Taurus é condenada por operação que resgatou armas de aeroporto no lugar de crianças durante enchente no RS
03/12/2025
(Foto: Reprodução) Imagem de drone mostra avião em meio a alagamento no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, no dia 7 de maio de 2024
Wesley Santos/Reuters
A Justiça Federal condenou a fabricante de armas Taurus a pagar indenização de R$ 10 mil para cada um dos seis voluntários que participaram de uma operação durante a enchente histórica no Rio Grande do Sul, em maio de 2024, que retirou armas do aeroporto de Porto Alegre. Os voluntários teriam sido induzidos a acreditar que resgatariam crianças ilhadas.
De acordo com a sentença, a informação foi repassada em áudios enviados em um grupo de WhatsApp na noite de 8 de maio. A mensagem dizia que a missão era urgente e sigilosa para salvar crianças, considerada uma das prioridades do Estado. A condenação é em primeira instância, e cabe recurso.
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Ao chegarem ao ponto de encontro, em Canoas, os voluntários teriam descoberto que a operação tinha outro objetivo: retirar um estoque de armas da Taurus, que estava ilhado no aeroporto Salgado Filho.
O advogado de dois ex-colaboradores expõe que o argumento de “resgate de crianças” teria sido uma ordem direta da Taurus e afirma que os dois então empregados foram acionados subitamente, "sem qualquer preparo técnico ou respaldo institucional", e instruídos a seguir ordens verbais da empresa, atuando como "fachada operacional". (leia, abaixo, na íntegra)
O g1 entrou em contato com a assessoria da fabricante de armas, que informou que "recorrerá da sentença em relação ao ponto em que foi condenada. A empresa está confiante de que as instâncias superiores reconhecerão a inexistência de qualquer responsabilidade que lhe possa ser imputada". (confira, abaixo, o posicionamento completo)
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Ainda segundo a decisão judicial, uma funcionária da empresa informou que o sigilo era para evitar que facções criminosas soubessem da carga.
O representante legal de dois dos ex-funcionários sustenta que os empregados também foram expostos a riscos extremos, como águas contaminadas, barcos improvisados, ausência de EPI e receio de facções, e não teria " qualquer protocolo formal de segurança".
O juiz Rodrigo Machado Coutinho entendeu que houve violação da boa-fé objetiva no primeiro momento, quando os autores se mobilizaram sob falso pretexto. “A indução em erro limitou-se ao deslocamento e à quebra de expectativa”, escreveu. Em audiência, um dos voluntários relatou o momento em que descobriu a verdadeira missão:
“Foi quando eles apresentaram as armas pra gente, não ostensivamente, mas estavam portando armas, e falaram pra gente assim, ó: ‘ou vocês vão com a gente, ou vocês vão ficar aqui sob observação até o final da operação, porque agora vocês já sabem do que se trata’.”
Os voluntários alegaram coação. O juiz disse ter encontrado contradições, como postagens em redes sociais após a operação. “Eu quis dar como se fosse uma satisfação pras pessoas que pra quem eu fui pedir ajuda, né? Pra salvar as crianças que de fato eu estava lá”, afirmou um dos voluntários, em audiência.
A União, que também era ré no processo, foi absolvida. O magistrado entendeu que a Polícia Federal atuou corretamente para garantir a segurança da operação, considerada legal e necessária diante do risco de facções criminosas e do contexto de calamidade pública. Os voluntários e autores do processo foram condenados a pagar honorários de R$ 6 mil à União, divididos em partes iguais, mas a cobrança está suspensa porque eles têm gratuidade da justiça.
O que diz a defesa da Taurus
"A sentença reconheceu que, ao contrário do alegado pelos autores da ação, não houve qualquer coação por parte da empresa. Os autores participaram voluntariamente da operação, utilizaram seus celulares, mantiveram contatos amistosos com colaboradores e demais presentes, inclusive após o evento.
O Juízo foi claro ao destacar que os autores se deslocaram por decisão própria, em veículos particulares, registraram imagens com seus celulares e mantiveram conversas em tom cordial com os demais participantes.
Também foi afastada a alegação de que os autores teriam sido expostos a risco anormal. A sentença registrou que a operação ocorreu em contexto de calamidade pública, com forte esquema de segurança coordenado pela Polícia Federal, além de escolta armada contratada pela própria Taurus para o transporte terrestre do material, sem qualquer risco indevido aos participantes.
Quanto à exposição dos autores na mídia, a sentença observou que a cobertura jornalística e a repercussão subsequente nas redes sociais não decorreram de atos da Taurus. Ao contrário, reconheceu-se a participação ativa dos autores na gravação e divulgação das imagens, razão pela qual não se atribuiu à empresa qualquer responsabilidade pela veiculação de suas imagens.
A Taurus também demonstrou que não determinou, autorizou ou controlou a convocação dos autores nem teve qualquer ingerência sobre eventuais mensagens trocadas em grupos de aplicativo. A empresa não criou, divulgou ou autorizou a divulgação de qualquer história falsa sobre a operação.
A Taurus tomará as medidas cabíveis decorrentes de informações difamatórias e inverídicas divulgadas na mídia a respeito da operação.
A empresa também recorrerá da sentença em relação ao ponto em que foi condenada. A empresa está confiante de que as instâncias superiores reconhecerão a inexistência de qualquer responsabilidade que lhe possa ser imputada."
O que diz o advogado de ex-funcionários da Taurus
"Posicionamento – Caso Taurus / Operação no Aeroporto Salgado Filho
Por Juliano Dias da Silva, OAB/RS 78.869 - Sócio do Escritório Dias e Siqueira Advogados Associados
Na qualidade de advogado nos processos trabalhistas da Sra. Vivian Rodrigues Pinto e do Sr. Diego Derzet Rosa, ex-empregados da Taurus, faço a seguinte análise da sentença preferida pela 6ª Vara Federal de Porto Alegre.
A partir dos relatos de Vivian Rodrigues Pinto e Diego Derzet Rosa, o que ocorreu na operação do Aeroporto Salgado Filho, durante as enchentes de maio de 2024, é muito diferente da imagem que acabou sendo projetada ao público, e do que foi estabelecido na sentença proferida pela 6ª Vara Federal de Porto Alegre.
Ambos os ex-empregados foram subitamente acionados pela chefia da Taurus e colocados, sem qualquer preparo técnico ou respaldo institucional, na linha de frente de uma operação de retirada de cerca de 3.000 armas de fogo que estavam no terminal de cargas do aeroporto. A empresa impôs a eles tarefas completamente alheias às suas funções: recrutar civis, organizar pontos de encontro, transmitir sigilo, justificar urgência e, sobretudo, não revelar previamente a verdadeira natureza da carga.
Segundo os autos trabalhistas, a Taurus determinou inclusive o roteiro que deveria ser usado para atrair civis: dizer que se tratava de um “resgate de crianças”. Esse script não foi criado por Vivian ou Diego: ele foi ordenado pela empresa, que buscava evitar resistência e manter o controle da operação longe da exposição institucional. Quando os civis descobriram a real missão, houve indignação e tentativa de desistência, mas ambos os empregados, igualmente pressionados, foram instruídos a insistir que “era uma missão vital e sigilosa” e que quem saísse deveria aguardar no local porque “já sabia demais”.
Vivian e Diego também foram expostos a riscos extremos: águas contaminadas, barcos improvisados, ausência total de EPI, receio de facções criminosas e falta de qualquer protocolo formal de segurança. Eles não foram coordenadores da operação, foram instrumentalizados, atuando sob ordens diretas e verbais da empresa, que permaneceu ausente do local enquanto trabalhadores e civis enfrentavam o perigo.
Nesse contexto, entendemos que a sentença da 6ª Vara Federal de Porto Alegre incorre em profunda injustiça ao minimizar a responsabilidade da empresa e ao tratar como voluntária ou espontânea uma operação que, de acordo com as provas dos processos trabalhistas, foi concebida, orientada e impulsionada pela própria Taurus, utilizando empregados como fachada operacional.
A realidade dos fatos demonstra que Vivian e Diego não foram autores da operação, nem mentores, nem coordenadores, foram vítimas de uma cadeia hierárquica que buscou proteger um patrimônio milionário, transferindo a terceiros o risco humano, moral e jurídico da missão.
Este é o esclarecimento que apresentamos ao G1, comprometidos com a verdade dos fatos e com a defesa da dignidade de nossos clientes."
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